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Na fotografia está Maria do Socorro Costa Silva, presidente da Cainquiama (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real) |
Barcarena (PA) – Três mulheres estão ameaçadas de morte em Barcarena, no nordeste do Pará. Duas Marias e uma Ludmilla. Mulheres pobres, negras, ribeirinhas. Estão intimidadas, perseguidas e atemorizadas porque denunciaram a contaminação dos mananciais por resíduos sólidos da produção de bauxita da maior mineradora do mundo, a Hydro Alunorte. Em meio a tanta riqueza de alumina, a cidade não tem saneamento básico, água potável e sobram impactos ambientais e desigualdade social para todos os cantos desta porção da Amazônia Oriental.
As três mulheres ameaçadas participaram das mesmas manifestações que se intensificaram em fevereiro passado, quando lagos e poços artesianos de comunidades de Barcarena, a 40 quilômetros de Belém, foram atingidos pela lama vermelha despejada nos igarapés Bom Futuro, Burajuba e nos rios Murucupi, Tauá e Pará. O Instituto Evandro Chagas confirmou a contaminação hídrica. A denúncia teve repercussão internacional.
A empresa multinacional norueguesa Hydro nega o vazamento de resíduos nos dias 16 e 17 do mês passado, mas pediu desculpas às comunidades de Barcarena por descartar água de chuva não tratada no rio Pará.
Maria do Socorro Costa Silva é presidente da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) e moradora da comunidade de remanescentes quilombolas do Burajuba. Sua casa foi invadida por policiais militares em abril de 2016. Daí as ameaças não deram trégua.
“Sofro ameaças constantemente. Não sei o nome de ninguém, mas eles sabem quem eu sou. Sou ameaçada sempre porque nós denunciamos uma multinacional. Nós dissemos onde estavam as coisas erradas e provamos. A gente está botando a imagem dela [da Hydro] no chão”, afirma.
Ludmilla Machado de Oliveira, também da Cainquiama, acordou com o barulho de pedras contra as janelas de sua casa na comunidade quilombola Burajuba por volta das 3h da manhã do último domingo (18). Ela e a família não foram alvejadas porque dormiam, mas todos fugiram para Vila dos Cabanos, no centro de Barcarena. “Fico preocupada com a minha segurança, mas também com a da minha família. Se acontecer algo comigo, como é que eles ficam?”, questiona.
A terceira mulher ameaçada é Maria Salestiana Cardoso, 69, moradora da comunidade do Bom Futuro, que fica a 100 metros da bacia de rejeitos sólidos da mineradora Hydro, a DRS-2, que é alvo de investigação por poluição ambiental.
“Onde eu estou vejo um carro prateado, uma 4X4 prateada. Mas eu não tenho medo, eu não vou me calar, vou continuar denunciando o que acontece em Barcarena”, diz Maria Salestiana.
Em janeiro deste ano, o promotor Armando Brasil Teixeira pediu à Secretaria de Segurança “garantia de vida aos representantes da associação, considerando os fatos envolvendo suposta prática de crimes militares por policiais” às lideranças da Cainqueama, mas o pedido foi rejeitado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará (Segup). Para mulheres pobres, negras e ribeirinhas não há segurança.
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Ludmilla Oliveira, também da Cainquiama, em protesto em Barcarena (Foto: Maycon Nunes/Diário do Pará) |
Na linha de frente das denúncias de impactos socioambientais em Barcarena, a Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) ingressou com duas ações contra a mineradora Hydro Alunorte por despejo ilegal de rejeitos da refinaria de alumínio nos lagos, igarapés e rios este ano. A associação representa 112 comunidades tradicionais. Além da Cainquima, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) também têm ações nas quais acusam a mineradora de suspeita de fraudes nas licenças ambientais e na contaminação por rejeitos da produção de alumina no município.
Em 2009, quando a empresa Alunorte estava sob o controle da Vale, houve denúncias da Cainquiama, do MPF e MPPA, além de multas do Ibama. Mas nada foi alterado no cenário de Barcarena.
“Em 2009 todo mundo viu, ouviu, bateu foto do que ela fez e não fizeram nada. A empresa comprou todo mundo, inclusive algumas lideranças de comunidade. Saiu dando dentadura, máquina de costura, ‘merreca’ para os centros comunitários. Mas eu não preciso da miséria de ninguém. Meu povo precisa de respeito. Dessa vez vai ser diferente”, diz Maria do Socorro Costa Silva, presidente da Cainquiama.
“Eu só sei que vai ter mais gente morta. Pode ser que eu seja a próxima, porque dessa vez a gente levou o caso para o mundo inteiro”, concluiu ela.
A liderança afirma que, por causa das denúncias, é perseguida por motoristas em carros prateados. “Eles ficam à espreita. Sou quilombola, sou reconhecida, não tenho medo, a luta da escravidão corre no meu sangue. Não vou me calar. Nós queremos as nossas bacias hídricas despoluídas”, exige Socorro, 53 anos, que além de líder da associação é mãe.
Maria do Socorro afirma que teme acontecer um acidente pior na bacia da DRS-2 da Hydro. “Se aquilo ali romper, imagine só, a bacia tem 35 metros de altura, a nossas casas têm no máximo três, vai ser um desastre. Em Mariana [cidade soterrada com a lama da mineração da empresa Samarco, em Minas Gerais] só tinha lama, na lama vermelha tem alumina, tem soda cáustica.”
Segundo ela, as ameaças sofridas pelos membros da Cainquiama vão além das denúncias contra a Hydro Alunorte. “Todo mundo sabia e sabe do que acontece em Barcarena, mas eles fazem vista grossa. O Simão Jatene (governador do Pará pelo PSDB) sabia, os diretores da Hydro sabiam, o Luiz Fernando Rocha (ex-secretário de Meio Ambiente) sabia. Eles têm que ser preso. O Luiz Fernando foi quem deu uma licença fraudulenta para que construíssem a DRS-2. Então, eles não gostam do que a gente faz. Por isso estamos sendo ameaçados”, afirma.
No último dia 12, Maria do Socorro Costa Silva e Ludmilla Machado de Oliveira velaram o corpo do amigo e segundo-tesoureiro da Cainquiama, Paulo Sérgio Almeida Nascimento, 47 anos. Ele foi assassinado no Ramal Fazendinha, zona rural do município. Antes, em 22 de dezembro passado, outro líder da associação tombou: Fernando Pereira, também a tiros, em Barcarena.
“Morreu o Fernando, morreu o Paulo Sergio, mas a verdade é que ela está nos matando lentamente. Cada dia a gente bebe a água (contaminada), cada dia a gente morre um pouquinho. Isso não é de agora, é de anos. Mas ninguém teve pulso de denunciar”, diz Socorro.
Via: Amazônia Real
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